ASPECTOS DA DEMOCRACIA

Certa vez perguntaram aos governos de todo mundo se eles se consideravam governos democráticos e, para nossa surpresa, apenas 4 governos não se autodenominaram democráticos. Abaixo o mapa dos países que se declararam democráticos (em azul) em 2006:

Fonte: http://fronterasblog.wordpress.com/2008/12/02/democratas-de-toda-la-vida/ – acessado em 14/03/2013 às 14hs

O mapa acima exibe 193 países e apenas 4, os em vermelho, não se autodenominaram governos democráticos. São eles: Vaticano, Arábia Saudita, Birmânia e Estado de Brunei. O restante, inclusive a China e Coreia do Norte, autodenominaram-se países democráticos. Podemos ficar surpresos que governos tão diferentes possam ser considerados democráticos e, mesmo assim, quase todos se autodenominarem dessa forma.

Autodenominar-se como um país democrático não é tarefa difícil e parece não gerar qualquer complicação àquele que declara. Mas será que tantos países assim são democráticos?

Para responder a essa pergunta, devemos então buscar se as leis, decretos e regulamentos desses países estabelecem institutos democráticos, participativos e de transparência, capazes de criar efetivamente ações democráticas, tanto por parte do governo como por parte da sociedade, ou se não há nada disso, e o que há são apenas intenções e ou discursos democráticos.

Tomemos como exemplo o nosso país. Será que as peças do arcabouço legal do nosso país, a República Federativa do Brasil, tornam-nos democráticos? Vale a pena uma análise.

Após a Constituição Federal de 1988 o Brasil inaugurou duas grandes inovações na democracia brasileira. A primeira foi a descentralização do poder. Podemos verificar isso através das criações das agências setorizadas como Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, Agência Nacional do Petróleo, dentre outras. Outra forma de descentralização de poder se deu através da municipalização dos serviços públicos essenciais, ou seja, os serviços como educação, saúde e segurança passaram a compor também a responsabilidade da municipalidade, permitindo que os municípios passassem a gerir as receitas e despesas com esses serviços públicos.

A segunda grande inovação da Carta Magna foi à institucionalização da participação da sociedade civil organizada na fiscalização, execução e deliberação de políticas públicas. Para isso foram criados os conselhos consultivos e deliberativos, compostos, em sua maioria com 50% de seus membros, pela sociedade civil organizada para influenciar, e até mesmo deliberar, junto às instâncias do poder executivo. Um claro exemplo pode ser constatado através da criação dos Conselhos Municipais de Saúde, nesse primeiro momento.

É nesse cenário descentralizado e com a participação institucional da sociedade civil que as leis brasileiras reforçam e consolidam a democracia participativa como um dos eixos para formular e fiscalizar a criação e implantação de políticas públicas.

Ainda completando o arcabouço legal brasileiro infraconstitucional, podemos destacar a Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei 101 de 04 de maio de 2000, a Lei da Transparência – Lei Complementar 131/ de 27 de maio de 2009 e a Lei de Acesso a Informação – Lei 12.527 de 18 de novembro de 2011.

Então, quando começamos a preservar e valorizar de forma consistente a sociedade civil, através das associações, ONGs e entidades sem fins lucrativos, a liberdade de expressão ganha outra dimensão, uma vez que deixa de ser uma forma de “desabafo” e passa a ser uma forma efetiva de influenciar as políticas públicas. As pessoas participam das discussões da coisa pública sem ter medo de consequências e, mais que isso, acreditando que suas ideias e opiniões influenciarão a política de governo. Dessa forma estabelecem mecanismos que comprometem tanto o governo como a sociedade civil em torno de um tema relevante. Nesse cenário é possível estabelecer um ciclo virtuoso entre a sociedade civil e governo para formular e implantar políticas públicas.

Para tentar exemplificar de maneira simplificada essa relação entre governo e sociedade civil, podemos criar o cenário quando uma comunidade se organiza para a construção de uma creche, por exemplo, em determinada localidade. O grupo decide que a construção da creche é prioridade, discutem o assunto, formam uma comissão, por vezes criam associação de bairro, elegem o presidente da associação, elaboram a proposta para a construção da creche, encaminham para a Prefeitura e acompanham a construção da creche. Cobram por prazos, sabem o custo estimado, e muito mais. Nesse exemplo, o governo local e a sociedade estão comprometidos com a construção da creche. Essa obra servirá a comunidade e está sendo executada desde seu início com envolvimento do governo e da sociedade.

Um governo democrático precisa ter ações participativas, transparentes e inclusivas, de forma que o governo e a sociedade estejam envolvidos e comprometidos com a melhoria do bem comum. É importante que a sociedade tenha acesso às informações sobre o que o governo esteja fazendo, o por que, quando, como, quanto gastará e etc, de forma clara e com fácil acesso. Pelo lado da sociedade é fazer com que ela realmente participe, e não fique mais à margem das questões públicas. Não podemos mais dizer que SEGURANÇA pública não é problema meu, pois meu condomínio tem uma boa infraestrutura e funcionários treinados para garantir uma boa segurança. Educação pública, também não é problema meu porque meus filhos estudam na melhor escola particular da cidade, e saúde pública, também não é problema meu, pois tenho o melhor plano de saúde, é uns dos mais caros e posso pagar por isso!

Ora, somente para exemplificar o quanto as questões públicas como saúde, educação e segurança são importantes para nossas vidas, independente da classe social que pertencemos, vou tentar exemplificar com um fato que pelos altos índices de acidentes automobilísticos no Brasil, essa situação deve ser próxima a muitos brasileiros. Certa madrugada um cantor no início de uma carreira brilhante, além de seu próprio talento seguia os passos do pai um famoso cantor e compositor, sofreu um grave acidente automobilístico. Foi socorrido e chegou a um hospital público de uma pequena cidade. Esse primeiro atendimento de emergência foi decisivo para que o jovem cantor sobrevivesse ao grave acidente. É isso! Foi o hospital público, com funcionários públicos que estavam lá para atender, independente do plano de saúde que o jovem cantor pudesse pagar, independente do sucesso de seu pai e de quanto dinheiro a família poderia dispor pela saúde de seu membro. Mesmo o melhor plano de saúde não consegue prever quando, como e onde precisaremos de tratamento médico de emergência, e se fizermos uma reflexão considerando esse cenário (saúde pública) podemos encontrar motivos de sobra para participar ativamente para melhoria da coisa pública. É importante que a pauta das discussões públicas esteja sempre presente em nossas ações cotidianas. São fatos como esse que reforçam a tese que a sociedade deve se envolver mais na discussão da coisa pública. Um governo democrático é um processo que se inicia com o envolvimento da sociedade e governo que tem como resultante ações efetivas que proporcionam a melhoria do bem comum.

Ainda nossa Constituição Federal Brasileira de 1988 prevê a iniciativa popular para a propositura de projetos de lei. Uma iniciativa popular consagrada foi a “Lei da Ficha Limpa”, que culminou na Lei Complementar 135/2010. Essa Lei proíbe que políticos condenados em decisões colegiadas de segunda instância do judiciário se candidatem a cargos políticos, pois a Lei Complementar 135/10 os tornam inelegíveis pelo prazo de 8 anos, mesmo que ainda exista possibilidade de recurso. Ainda compõe o marco constitucional brasileiro o referendo e o plebiscito como mecanismos de participação popular assegurados aos cidadãos nas três esferas de governo; Federal, Estadual e Municipal.

A participação da sociedade na esfera municipal é prevista como preceito constitucional no artigo 29, inciso XII, que estipula “a cooperação das associações representativas no planejamento municipal” que deve ser observado na elaboração de normas, planos e orçamentos. Vejamos:

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

(….)

XII – cooperação das associações representativas no planejamento municipal;

(….)

Um governo democrático pressupõe intensa colaboração entre sociedade e governo. Tanto o governo quanto a sociedade devem estar envolvidos para promoverem ações que visam a melhoria do bem comum, por exemplo, para cada informação disponibilizada com gastos públicos (Lei da Transparência e Lei do Acesso a Informação), espera-se o envolvimento da sociedade. Ser transparente não é sinônimo de participação, entretanto, a falta de transparência inibe a participação. No processo democrático governo e sociedade são lados de uma mesma moeda, sendo que cada qual deve desempenhar seu papel.

Em setembro de 2011, oito países lançaram oficialmente um programa denominado Open Government Partnership – OGP (Parceira para um Governo Aberto). Os governos fundadores foram: Brasil, Filipinas, México, Indonésia, Reino Unido, Estados Unidos, Noruega e África do Sul. A missão desse programa é tornar os governos mais transparentes, eficazes e responsáveis considerando também a capacitação dos cidadãos, capaz de estimular e qualificar a sua participação. Esses países assinaram uma declaração, que é denominada Declaração de Governo Aberto. É importante destacar nela dois eixos: transparência e estimulo a participação cidadã. É valorizada a participação da sociedade de forma igualitária, sem discriminação, na formulação de políticas e na tomada de decisão de ações de governo. Ora, entende-se que o engajamento da sociedade nos governos, incluindo a plena participação, aumenta a eficiência dos governos que também se beneficiam do conhecimento das pessoas, de suas ideias, de sua capacidade de fiscalização. Mais que isso, compromete os cidadãos na execução das ações de governo e proporciona maior transparência e controle social. Vejamos a declaração:

DECLARAÇÃO DE GOVERNO ABERTO

Setembro de 2011.

Como membros da Parceria Governo Aberto, comprometidos com os princípios consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção da ONU contra a Corrupção, e outros instrumentos internacionais pertinentes relacionados aos direitos humanos e à boa governança: Reconhecemos que as pessoas em todo o mundo exigem mais transparência de seus governos, demandando maior participação popular nos assuntos públicos, e buscando maneiras de fazer seus governos mais transparentes, ágeis, responsáveis e eficientes.

Reconhecemos que os países se encontram em etapas distintas em seus esforços de promoção da transparência governamental, e que cada um de nós tem uma abordagem coerente com as prioridades e circunstâncias nacionais e as aspirações dos cidadãos.

Aceitamos a responsabilidade de aproveitar este momento para reforçar o nosso compromisso de promover a transparência, combater a corrupção, capacitar os cidadãos, e aproveitar as possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias para tornar os governos mais eficientes e responsáveis.

Juntos, declaramos o nosso compromisso para:

Aumentar a disponibilidade de informações sobre as atividades governamentais. Os governos reúnem e armazenam informações em nome do povo, e os cidadãos têm o direito de acesso a informações sobre as atividades governamentais. Comprometemo-nos a promover maior acesso à informação e a divulgar as atividades governamentais em todos os níveis de governo. Comprometemo-nos a aumentar os nossos esforços para coletar e publicar sistematicamente dados sobre os gastos do governo e o desempenho dos serviços públicos e atividades essenciais. Comprometemo-nos a fornecer, de maneira proativa, informações de alto valor, incluindo dados não processados, em tempo hábil, em formatos que o público possa facilmente localizar, entender e usar, e que permitam sua reutilização. Comprometemo-nos a fornecer o acesso a recursos efetivos quando a informação ou os registros correspondentes forem indevidamente retidos, inclusive pelo monitoramento efetivo do processo de revisão. Reconhecemos a importância dos padrões abertos para promover o acesso da sociedade civil aos dados públicos, bem como para facilitar a interoperabilidade dos sistemas de informação governamentais (g.n.). Comprometemo-nos a buscar a opinião da sociedade civil para identificar as informações de maior valor para o público, e levar tais comentários em consideração da forma mais abrangente possível.

Apoiar a participação cidadã. Valorizamos a participação de todas as pessoas, de forma igualitária e sem discriminação, na tomada de decisões e na formulação de políticas. O engajamento público, incluindo a plena participação das mulheres, aumenta a eficiência dos governos, que se beneficiam do conhecimento das pessoas, de suas ideias e de sua capacidade de fiscalização. Comprometemo-nos a tornar mais transparente a formulação de políticas e a tomada de decisões, a criar e usar canais que estimulem a discussão pela população, e a aprofundar a participação pública no desenvolvimento, no monitoramento e na avaliação das ações governamentais (g.n.). Comprometemo-nos a preservar a capacidade das organizações da sociedade civil e das entidades sem fins lucrativos de atuar, de forma consistente com nosso compromisso com a liberdade de expressão, de associação e de opinião. Comprometemo-nos a criar mecanismos que permitam uma maior colaboração entre governos, organizações da sociedade civil e empresas.

Implementar os mais altos padrões de integridade profissional em nossas administrações. O governo responsável requer elevados padrões éticos e códigos de conduta para funcionários públicos. Comprometemo-nos a implementar políticas, mecanismos e práticas robustas de combate à corrupção, assegurando a transparência na gestão das finanças públicas e das compras governamentais, reforçando o Estado de Direito. Comprometemo-nos a manter ou estabelecer um quadro jurídico para tornar pública a informação sobre a remuneração e o patrimônio dos altos funcionários públicos. Comprometemo-nos a promulgar e executar regras de proteção aos delatores de práticas ilegais. Comprometemo-nos a disponibilizar à população informação sobre as atividades e a eficácia de nossas políticas de prevenção da corrupção e de nossos órgãos de fiscalização, bem como dos procedimentos de recurso a tais órgãos, respeitando a confidencialidade de informações específicas relativas à aplicação da lei. Comprometemo-nos a aumentar nossos esforços para combater o suborno e a outras formas de corrupção nos setores público e privado, bem como incrementar o compartilhamento de informações e experiências.

Aumentar o acesso a novas tecnologias para a abertura e responsabilidade. As novas tecnologias oferecem oportunidades para o compartilhamento de informações, a participação pública e a colaboração. Temos o objetivo de aproveitar essas tecnologias para tornar mais informações públicas de forma a permitir às pessoas entender o funcionamento de seus governos e influenciar suas decisões. Comprometemo-nos a desenvolver espaços virtuais acessíveis e seguros como plataformas de fornecimento de serviços, para promover o engajamento do público, e compartilhar informações e ideias. Reconhecemos que a capacidade de acesso equitativa e a baixo custo à tecnologia é um desafio, e comprometemo-nos a buscar maior conectividade em tempo real e móvel, além de identificar e promover o uso de mecanismos alternativos de engajamento cívico. Comprometemo-nos a envolver a sociedade civil e a comunidade empresarial para identificar práticas eficazes e abordagens inovadoras para alavancar novas tecnologias desenvolvidas para capacitar as pessoas e promover a transparência no governo (g.n.). Reconhecemos, também, que o aumento do acesso à tecnologia exige fomentar a capacidade dos governos e dos cidadãos para usá-la. Comprometemo-nos a apoiar e promover o uso de inovações tecnológicas por funcionários públicos e cidadãos. Entendemos, também, que a tecnologia é um complemento, e não um substituto, de informações claras, utilizáveis e úteis.

Reconhecemos que o governo aberto requer um compromisso constante e sustentado. Comprometemo-nos a prestar contas publicamente das ações empreendidas para por em prática esses princípios, consultando a população sobre a sua implementação, e atualizando nossos compromissos à luz dos novos desafios e oportunidades.

Comprometemo-nos a liderar pelo exemplo e a contribuir para o avanço de governos abertos em outros países por meio do intercâmbio de melhores práticas e experiências e da concretização dos compromissos expressos nesta Declaração em bases voluntárias e não vinculantes. Nosso objetivo é o de promover a inovação e estimular o progresso, e não definir padrões cuja utilização seja condição prévia para a cooperação ou a assistência, ou para classificar países. Ressaltamos a importância de uma abordagem global e da disponibilidade de cooperação técnica para apoiar a capacitação e o fortalecimento institucional para a promoção da transparência.

Comprometemo-nos a adotar estes princípios em nossos compromissos internacionais e a trabalhar para fomentar uma cultura global de governo aberto que fortaleça e produza resultados para os cidadãos, avançando os ideais do governo aberto e participativo do século XXI.

Fonte: http://www.opengovpartnership.org/declara%C3%A7%C3%A3o-de-governo-aberto

Dessa forma, ao analisarmos a Lei de Acesso a Informação, constatamos que há uma tendência mundial para os governos darem publicidade à todas as informações públicas, com o objetivo de melhorar a eficiência e a eficácia dos governos.

 

Autor: SANCHEZ, Ricardo Lopes, 2018.

 

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